O Blog do Noblat, do jornal O Globo, publicou nesta sexta-feira, 21, o artigo “Mudar o STF para aprimorar a democracia”, de autoria do presidente da Ordem dos Advogados do Brasil, em Sergipe, Henri Clay Andrade.
No texto, o presidente destaca a necessidade redimensionar o Supremo Tribunal Federal (STF) para preservar a Constituição de apedrejamentos oportunistas e arroubos autoritários.
Confira o artigo na íntegra:
Mudar o STF para aprimorar a democracia
Por Henri Clay Andrade, presidente da OAB/SE
O Supremo Tribunal Federal tem a finalidade precípua de guardião da Constituição Federal. Esta jurisdição constitucional é o meio de controle que visa a preservar as normas constitucionais contra o abuso de poder manifestado por atos normativos ou por leis que vão de encontro à Constituição Federal.
O STF é órgão independente e de superposição aos demais tribunais brasileiros, tendo como função estratégica do estado democrático social de direito o poder de controle político.
A crescente constitucionalização do sistema jurídico e a consagração da democracia social no mundo globalizado, conforme enfatiza Gomes Canotilho – eminente jurista português – pressupõe a existência de um órgão do poder judiciário protagonista e que possua legitimidade para estabelecer o controle da constitucionalidade; a garantia das liberdades e a concretização das políticas públicas que efetivem os direitos sociais.
A democracia é o regime que respeita e considera a manifestação das minorias. Daí o objetivo da jurisdição constitucional que é fazer prevalecer a Constituição Federal sobre a vontade da maioria eventual, movida pelas circunstâncias decorrentes de paixões deletérias ou até mesmo de manipulações que atendam a interesses políticos ou econômicos escusos. Isto é fundamental para sobrevivência do regime democrático.
Em um estado democrático de direito a legitimidade do poder judiciário está na imparcialidade e na fundamentação jurídica da sua decisão, que deve ser sempre lastreada na prova produzida nos autos do processo e nos elementos de cognição científica. Estas condições de legitimidade do poder de decisão são asseguradas pelo poder constituinte originário. E esse atributo, no Brasil, fora exercido por deputados federais e senadores eleitos diretamente pelo povo, especificamente nas eleições de 1986, para o fim de erigir um novo estado-nação concebido na vigente Constituição Federal promulgada em 05 de outubro de 1988.
Salvaguardar a Constituição Federal às tempestades políticas e econômicas é o grande desafio do STF. A Constituição brasileira não pode ser modificada na sua essência, a ponto de violar princípios e valores que dão identidade própria ao País. Neste momento de grave conturbação, proteger a Constituição de apedrejamentos oportunistas consiste na consagração da democracia. E o STF é quem está investido de poder e legitimidade para exercer esse imprescindível controle político.
No entanto, para cumprir com eficiência o prioritário desiderato de jurisdição constitucional, é imperioso que haja mudança de concepção das atribuições funcionais do STF. É chegada a hora de desvencilhá-lo de atividades jurisdicionais diversificadas. É necessário tornar o STF uma autêntica Suprema Corte Constitucional.
Atualmente o Senado Federal tem debatido e deliberado a respeito da natureza do cargo de Ministro do STF. A discussão transcorre em torno da mudança concernente à vitaliciedade do cargo para torná-lo de caráter temporário, com previsão de mandato por 10 anos. Concordo. A alternância periódica do exercício do poder melhor se coaduna com a democracia.
É preciso também discutir sobre uma nova forma e sobre as condições mais republicanas para a investidura no excelso cargo de Ministro do STF. Mas isso demanda um outro artigo.
Ressalte-se que o mais importante, sem embargo dos demais, é que não podemos perder a oportunidade histórica para aprimorar a jurisdição do STF. Isso é essencial para a democracia.
Face às suas múltiplas funções jurisdicionais, o STF está assoberbado de processos pendentes há anos para julgamento de mérito. Esse fenômeno tem prejudicado o desempenho do STF em cumprir, com celeridade e com eficiência, o seu papel de guardião da Constituição Federal.
É muito oportuno que o parlamento brasileiro instaure um amplo debate com a sociedade civil e com a comunidade jurídica sobre o propalado e criticado “foro privilegiado”, a respeito das diversas competências originárias do STF e em relação à conveniência para julgar indistintamente recursos extraordinários.
A maior catástrofe que pode acontecer no Brasil é a perda da credibilidade e da confiança do povo brasileiro na eficiência do Supremo Tribunal Federal.
Um País suporta o travo da eventual perda de legitimidade e de confiança no Presidente da República, em parlamentares, nos juízes, Ministros do STF, enfim, em agentes públicos e políticos, mas não sobrevive diante da falência das instituições democráticas.
Como bem enfatizou o jurista alemão, Konrado Hesse, a Constituição deve ser honestamente preservada. E o País que sacrifica interesses momentâneos em favor da preservação dos princípios constitucionais fortalece o respeito à Constituição e garante a essência da democracia.
É hora de redimensionar o STF para lhe conferir maior eficácia a fim de melhor preservar a Constituição Federal e de aprimorar a democracia para livrar o Brasil definitivamente de temerários arroubos autoritários.