Nesta segunda-feira, 4, pela manhã, a Ordem dos Advogados do Brasil, em Sergipe (OAB/SE), realizou audiência pública para discutir o Plano Diretor de Aracaju. Participaram da audiência, representantes da Ordem, vereadores de Aracaju, representantes de diversas entidades como CREA/SE, CAU/SE, IAB, além de representantes de Movimentos sociais e da sociedade em geral.
A abertura da audiência pública foi feita pelo presidente da OAB/SE, Inácio Krauss, que na oportunidade expressou a satisfação da Seccional receber a sociedade civil organizada para discutir assunto tão importante quanto é o Plano Diretor de Aracaju.
Segundo Krauss, a Ordem se reuniu na semana passada com algumas entidades e representantes de mandatos parlamentares, e foi decidido enviar um ofício ao prefeito de Aracaju, Edvaldo Nogueira, solicitando que a suspensão das discussões para que fossem realizadas várias audiências públicas, através da OAB, para que a partir delas possam sair alguns encaminhamentos.
Antes disso foi feita a formação de um Grupo de Trabalho na OAB/SE para discutir o tema e propor soluções para os problemas encontrados na revisão que está sendo implementada pela Prefeitura de Aracaju no Plano Diretor.
Conforme Krauss, o Plano Diretor estava parado há quase 11 anos e a “toque de caixa” a Prefeitura vem estabelecendo uma discussão de forma virtual, sem acessibilidade, o que segundo ele, afasta a participação do cidadão, da cidadã. “Tivemos uma excelente audiência pública e saímos com encaminhamentos que visam à ampliação do debate de forma democrática, com a participação real do cidadão e da cidadã sobre o Plano Diretor”, ressaltou.
Urgência na propositura
O diretor-geral da Escola Superior de Advocacia (ESA), Kleidson Nascimento, conduziu os trabalhos após a abertura. No seu discurso, ele reforçou o caráter plural. “A gente tem a necessidade de colher o máximo de sugestões e encaminhamentos para que possamos ter uma efetiva participação nesse processo de revisão do Plano Diretor. A revisão é obrigatória a cada 10 anos e esse Plano Diretor atual é do ano 2000”, salientou.
Kleidson destacou ainda que a revisão do Plano Diretor é urgente na sua propositura jamais na sua conclusão. “Aliás, toda pressa parece querer camuflar interesses que nós desconhecemos, e não há a possibilidade, seja na Constituição Federal, seja no Estatuto da Cidade, de qualquer lei que modifique, altere ou intervenha no ambiente urbano sem participação do povo, que é destinatário de todo esse processo. A OAB jamais ficará omissa e vem se somar às outras instituições para traçar estratégias comuns”, afirmou.
O representante da Ordem no Conselho Municipal de Desenvolvimento Urbano (Comdurb) e conselheiro federal da OAB/SE, Vitor Lisboa; ressaltou a importância do debate promovido pela Ordem com a participação de várias entidades, movimentos sociais e entes políticos. “O Plano Diretor é uma legislação específica justamente porque tem o caráter de definir que cidade nós queremos. O momento é de amplo debate justamente porque o Plano vai pautar e interferir em vários aspectos desde o ambiental, do transporte público, coleta de lixo, drenagem urbana, uso da cidade, entre tantos outros pontos. Mas a premissa está invertida porque recebemos uma minuta de legislação pronta para discutir sem saber quais os elementos e diagnósticos que chegaram àquela conclusão”, pontuou.
Ele disse também que não viu pressa para a instauração do debate sobre a revisão do Plano Diretor, mas de conclusão. “Nós tínhamos muita pressa de instauração do processo porque sabíamos que para o processo ser bem feito tinha que respeitar o procedimento, a ouvida das pessoas. O problema é que não temos discussão e temos um procedimento que dá apenas um verniz de participação popular”, salientou.
Equívocos
A corregedora-geral e conselheira seccional, Robéria Silva, destacou que já foram diagnosticados no Plano Diretor vários equívocos, desde o nascituro do Plano, a exemplo da ausência primordial do diagnóstico. “Como é que um bairro como o Jabotiana cresceu? Lá tem problema de drenagem de água pluvial, lá é o lugar em que moro e que já fui inclusive impedida de sair num alagamento que houve”, revelou.
A presidente da Comissão de Direito Animal da OAB, Danielle Ferreira, falou sobre o trabalho desenvolvido pela Comissão. Ela destacou que a Comissão objetiva priorizar o valor da vida animal. Danielle disse ainda que quando se constrói o conceito de uma cidade para todos também se inclui a vida dos animais. “O mundo no qual a gente habita não foi feito somente para a espécie humana, é um mundo no qual a gente habita com centena, milhares de espécies”, ressaltou.
A integrante do GT de Animais Silvestres da CDA, Carol Quintiliano, disse que a presença da Comissão de Direito Animal no debate do Plano Diretor é importante por causa das graves falhas existentes. “A gente precisa ter um mapeamento da nossa fauna silvestre, um georreferenciamento e limite de áreas para a sobrevivência dessas espécies e, por isso, que a Comissão de Direito Animal esteve presente nesse debate e justamente para atentar que o debate do Plano Diretor não pode ser desenvolvido sob uma noção antropocêntrica, mas sim considerando o ser humano, as plantas, a terra, á água, a atmosfera na cidade de Aracaju”, afirmou.
A conselheira seccional e curadora do Patrimônio Histórico da OAB, Manuella Vergne, iniciou a sua fala questionado se o Plano Diretor de Aracaju olhou para a memória dos aracajuanos? Ela indagou ainda se alguém havia parado para pensar quantos prédios históricos, arquitetônicos e preservação do entorno há na cidade de Aracaju? E mais uma vez perguntou onde está o Plano Diretor quando se fala de cultura, de memória, de preservação. Será que tudo isso está sendo contemplado o suficiente?
“É muito importante levantar essa bandeira, a OAB levantar essa pauta e se fazer participante nessa propositura. Precisamos de mais espaço de preservação na nossa cidade”, disse.
Parlamentares
A vereadora Linda Brasil foi a primeira a falar entre as parlamentares e os parlamentares presentes. Ela agradeceu ao convite da OAB e parabenizou a Ordem pela iniciativa da realização da audiência pública. Linda revelou que todos que estavam na audiência demonstraram preocupação com o processo de realização da revisão do Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano de Aracaju, que por lei deveria ser realmente participativo.
“Já participei de quatro audiências e o que a gente percebe é uma insatisfação tanto por parte das pessoas e entidades que já fazem um trabalho há anos sobre a importância da revisão do Plano Diretor bem como por parte dos movimentos sociais que estão preocupados com a falta de participação real da população”, disse.
Segundo ela, é importante que a OAB se manifeste sobre essa forma apressada de fazer a discussão. “Já tem 11 anos que o Plano está defasado e a minuta apresentada não corresponde à realidade atual da nossa cidade. É urgente a revisão, mas que ela seja feita considerando toda essa mudança que teve o Plano Diretor de 2000. Espero que as demandas trazidas contribuam para a efetivação”, afirmou.
O vereador Breno Garibalde agradeceu ao espaço dado pela OAB e demais entidades e disse ter ficado feliz pelo debate aberto e a sociedade estar unida em prol do Plano Diretor. “A gente sabe da necessidade dessa discussão. Estou aqui para somar, para contribuir. O momento é de unir forças para que a gente possa construir o Plano Diretor que todos desejam”, enfatizou.
Participação popular
A vereadora Ângela Melo disse que a audiência pública foi fundamental. “O Plano Diretor tem urgência sim, mas não da forma como a Prefeitura de Aracaju através do prefeito Edvaldo Nogueira está colocando para a sociedade”, disse.
Segundo a parlamentar, ela e os vereadores Linda Brasil e Breno Garibalde cobraram na Câmara de Aracaju a chegada do Plano Diretor. “Mas com participação popular, com audiências públicas que representem a sociedade aracajuana. As audiências estão ocorrendo, encerram na próxima semana, mas sem a participação popular”, lamentou.
Conforme Ângela Melo, nas audiências o povo não está presente. “De seis bairros têm dois ou três. Como vamos discutir a necessidade em Aracaju de creches, pré-escola, de habitação popular, do patrimônio cultural, das questões fundiárias sem escutar o povo”, questionou, ao acrescentar que o que está sendo feito não é democracia, nem participação popular.
O vereador Ricardo Vasconcelos destacou que a temática da audiência pública foi muito pertinente e disse que os parlamentares não vão deixar o Plano Diretor passar pela Câmara sem que reflita os anseios da sociedade. Segundo ele, o Plano Diretor chegou de uma forma muito precária. “O prefeito não tinha um plano preparado e foi apresentado agora um plano cheio de pendências, que a gente percebe que precisa muito ser melhorado”, salientou.
O vereador Vitor Diego Lima Fortunato disse que depois de algumas caminhadas em audiências públicas e dessa audiência pública da Casa da Cidadania a sua responsabilidade é muito grande. “A cada audiência pública nós percebemos os problemas que existem nessa minuta que está aí para a gente em breve poder votar e aprovar. Nós temos um Plano Diretor que já era para ser revisado e tem muita coisa que não foi atualizada. Precisamos ampliar o debate porque apenas oito audiências públicas para discutir o desenvolvimento de uma cidade de mais de 600 mil habitantes não é o suficiente. Vamos precisar ter a coragem de trazer o povo para a nossa casa e ampliar esse debate e buscar construir a cidade que nós queremos”, ressaltou.
Entidades
O representante do CREA/SE, Victor Alejandro Mejias Ruiz, disse que acredita que a união do CREA, CAU e OAB tem sido de muita importância para a condução dessa discussão em torno da revisão do Plano Diretor de Aracaju. Ele também agradeceu a participação dos parlamentares, uma vez que para o próximo passo será necessário o envolvimento político nas questões que estão sendo levantadas.
“A minuta apresentada tem uma série de falhas e, por isso, o CREA está trabalhando um documento com considerações técnicas. Encontramos muitas falhas na parte de drenagem urbana, além disso, a parte de energia renováveis também não foi considerada nessa minuta”, revelou.
A presidente do CAU/SE, Heloísa Diniz, disse que todos querem o Plano Diretor. “Estamos 11 anos pelo menos atrasados, mas a gente precisa debatê-lo”, completou.
Segundo Heloísa Diniz, situações como prazo curto, documentos insuficientes para análise, transparência, mobilização, o próprio formato das audiências (são 8 para cerca de 40 bairros) estão sendo encontradas. “Temos desde questões técnicas quanto da própria questão política”, disse.
Carta Aberta
Ela disse ainda que uma Carta Aberta foi distribuída junto a Prefeitura de Aracaju e a diversos outros órgãos com o objetivo do CAU e as demais instituições se posicionarem e tentar construir outro formato de processo participativo. “Com a Carta Aberta conseguimos uma reunião com o secretário municipal da Infraestrutura e presidente da Empresa Municipal de Obras e Urbanização (EMURB), Sérgio Ferrari, onde foi garantido um compromisso de maior divulgação, maior publicização das audiências. Foi só isso que a gente conseguiu. O que a gente mais defende é um processo participativo de fato, com diagnóstico e documentos que consigam instrumentalizar o que é o resultado dessa minuta”, pontuou.
O vice-presidente do Instituto dos Arquitetos do Brasil (IAB/SE), Elso Moisinho, falou da contribuição dada pelo IAB ao Plano Diretor de 2000. “O IAB junto com toda a sua gama de arquitetos fez um levantamento que ainda existe pontuando cada elemento a ser melhorado e poucos deles foram implantados. Quando a gente fala que o Plano Diretor começou de maneira errada, atrasado, essa defasagem vem de 2000 e ela se perpetuou até os dias atuais. Teve o diagnóstico em 2015, mas que é defasado também. A gente chega a 2021 ouvindo ainda falas de canal que fede, sabendo que no canal a água pluvial, e que essa água deveria não feder, isso acontece porque a gente não tem um esgotamento sanitário individualizado”, salientou.
Movimentos sociais
O integrante do Movimento dos Trabalhadores Urbanos (MOTU), Jorge Edson Santos, falou sobre as falhas existentes no Plano Diretor, a exemplo da questão do esgotamento sanitário da capital. “Para onde estão indo os esgotos da cidade de Aracaju?”, questionou ao acrescentar que todos os canais da cidade ou vão para o mangue ou para os rios. “Outra coisa é que os canais da cidade são totalmente descobertos e quem mora perto a esses canais sabem o mau cheiro que exala. Essa é uma questão histórica e o Plano Diretor não contempla”, afirmou.
Ele também citou outras questões como a habitação, terrenos abandonados, cujo mapeamento não consta no Plano Diretor, além da inexistência de passarelas e de áreas de lazer para a juventude.
O representante do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST), Ramon Andrade, criticou a forma metodológica como o debate do Plano Diretor está sendo feito. “No debate do Plano Diretor anterior nós tivemos 43 audiências públicas neste a gente está com oito. São audiências públicas seis vezes menores do que o debate que aconteceu seis anos atrás”, afirmou.
Esvaziamento
Segundo ele, isso já mostra o retrocesso do que está sendo a construção do Plano Diretor. Ramon pontuou ainda que as audiências públicas estão esvaziadas. “Na audiência pública mais lotada havia 100 pessoas. Se tivermos oito audiências públicas e todas tiverem pelo menos 100 pessoas, significaria que o Plano Diretor estaria sendo passado porque teria ouvido 800 pessoas, em Aracaju uma cidade que tem mais de 600 mil habitantes e após consulta de menos de 1% da população. Isso não é audiência pública e isso não é ouvir o povo”, frisou.
A arquiteta e urbanista e integrante de movimento social, Ana Cláudia Andrade, disse que ao observar o Plano Diretor percebe-se que ele traz os parâmetros urbanísticos que vão reger áreas que ainda vão ser construídas, mas não traz a análise dos problemas de Aracaju. “Isso é um traço da falta de diagnóstico, porque um Plano sem diagnóstico traz esse resultado”, afirmou.
Ela citou também a questão ambiental e das áreas de risco do Bairro Jabotiana e a falta de menção no Plano aos povos tradicionais.
A assessora técnica Popular do Escritório Modelo de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal de Sergipe, Isabela Pinheiro, disse que o Plano Diretor já começa atrasado. Segundo ela, está clara a separação existente no Plano sobre o que é a política urbanística de caráter municipal e o que são as diretrizes gerais que se tem a partir da Lei Federal 10.257/2001, que é a Lei do Estatuto da Cidade. “Essa lei é de 2001 e a Prefeitura está tocando uma revisão do Plano Diretor em 2021, vinte anos depois da sua aprovação”, revela.
Ela questionou ainda: “a quem interessa aprovar um Plano Diretor que atropela os princípios da ordem pública e interesse social”.
Sociedade civil
O arquiteto Ricardo Mascarello disse que a minuta traz uma repetição do Plano Diretor de 2000 e isso não contribui para o futuro desenvolvimento de Aracaju. Com relação à participação, ele disse que não se trata da quantidade de audiência e nem de estender o processo. “Trata-se de uma revisão, mas como já se passaram muitos anos, é praticamente um plano novo”, afirmou.
Segundo ele, são três as etapas: a primeira é o Plano de Trabalho e Mobilização Social, a segunda é o diagnóstico e a terceira seria apresentar as bases ideológicas, filosóficas e pactuar com a população quais seriam as estratégias do Plano Diretor”, explicou.
A arquiteta e urbanista Karine Santiago disse que acompanhou as audiências públicas do Plano Diretor de 2000, desde quando ainda era estudante em 1997, e tem testemunhado que nada vai para frente. “Não gostaria que esse Plano passasse mais 20 anos para ser desenrolado”, pontuou.
Como sugestão, ela propôs que fosse feito um trabalho junto aos municípios que fazem parte da Grande Aracaju (Nossa senhora do Socorro, Barra dos Coqueiros e São Cristóvão). “Primeira proposta que faço é chamar os prefeitos da Grande Aracaju para discutir junto com o prefeito da capital a questão do crescimento. Se Aracaju crescer e não acompanhar o crescimento de Socorro, por exemplo, vai haver conflito”, disse.
O biólogo Bruno Almeida afirmou que participou de algumas audiências públicas para o Plano Diretor de 2000 e que é muito frustrante ver que mesmo após tanto tempo o Plano Diretor não avançou nada, praticamente retroagiu em vários aspectos e é lamentável que o Plano Diretor não tenha uma integralidade sobre o meio ambiente.
Segundo ele, o macrozoneamento que o Plano Diretor propõe não diz qual foi o diagnóstico porque não informa como ele foi elaborado não apresenta índices. “Como eu vou dizer o que é uma área de interesse ambiental se o próprio Plano Diretor não define o que é uma área ambiental?”, indaga.