Nesta segunda-feira, 31, durante a Sessão Ordinária do Conselho Seccional da Ordem dos Advogados do Brasil, em Sergipe (OAB/SE), a reintegração de posse da Ocupação João Mulungu foi tema de Processo Administrativo apreciado pelos conselheiros seccionais. Requerido pela Comissão de Direitos Humanos (CDH), o processo teve como relator o conselheiro e presidente da CDH, José Robson Santos de Barros. Na oportunidade, o voto do conselheiro relator, apresentando encaminhamentos para a situação de violência vivenciada pelas famílias da ocupação foi aprovado, por unanimidade.
A situação da Ocupação João Mulungu, localizada em um prédio na Avenida Ivo do Prado, no Centro de Aracaju, já vinha sendo acompanhada pela Comissão de Direitos Humanos da OAB/SE, desde dezembro de 2020. A solicitação para a Comissão acompanhar o processo de reintegração foi feita pelo Movimento de Luta nos Bairros (MLB), através de ofício encaminhado a CDH em 15 de dezembro de 2020.
Na ocasião, o Movimento tinha sido cientificado quanto a ordem judicial, em caráter liminar, de reintegração de posse promovida pela empresa Cosil Construções. No dia 23 de dezembro, foi realizada uma visita da CDH a ocupação, com a presença de representantes de outros órgãos.
Visita
Na visita foram expostas por parte do Movimento as razões que levaram a ocupação e ficou claro que ali estavam dezenas de famílias em extrema vulnerabilidade social – mulheres, algumas gestantes, idosos, pessoas com deficiência, crianças e adolescentes.
Durante a visita ficou também evidenciado que o imóvel em questão não cumpre nenhuma função social e estava abandonado há cerca de seis anos, servindo de local de prostituição, uso de substâncias entorpecentes e prática de delitos, gerando insegurança para a comunidade do entorno.
Todo o contexto vivido pelas famílias da Ocupação foi registrado em imagens que foram anexadas ao primeiro relatório elaborado pela CDH e em seguida encaminhado a Defensoria Pública do Estado de Sergipe, para que fosse juntado ao processo. No relatório, a Comissão recomendou a suspensão da reintegração, amparada pela garantia da dignidade humana das pessoas em extrema vulnerabilidade social, prevista na Constituição Federal e também na Recomendação do Tribunal de Justiça do Estado de Sergipe (TJSE), por meio do Ofício Circular nº 93/2020, da Corregedoria-Geral de Justiça, enquanto perdurar a pandemia.
Núcleo atuante
O coordenador do Núcleo de Políticas Sociais da CDH, George José Costa, disse que desde março de 2020, a CDH, através do Núcleo de Políticas Sociais vem atuando para salvaguardar principalmente os direitos dos mais vulneráveis. “Nós procedemos recomendações que foram aprovadas por este Conselho, ao Governo do Estado e a Prefeitura de Aracaju para socorrer naquele momento especialmente as pessoas em situação de rua”, revelou.
Segundo ele, logo em seguida houve uma grande ocorrência de situação de desocupação. “Acompanhamos mais de perto quatro ocupações, como foi o caso da João Mulungu, a Orlinha do Bairro Industrial, a Nova Capadócia, em Nossa Senhora do Socorro, e a das Mangabeiras. Em todas essas ocupações nós procedemos reuniões, visitas e relatórios técnicos para subsidiar as demandas dessas pessoas”, afirmou.
George Costa disse ainda que mais recentemente acompanhou a situação das famílias da Ocupação João Mulungu. “Foi com muita surpresa que nos deparamos com essa reintegração que fugiu totalmente ao normal, sobretudo mediante as recomendações existentes do CNJ e do TJSE e já fizemos relatório a respeito do que aconteceu nessa reintegração”, salientou.
Voto do relator
Após contextualizar e relatar de forma pormenorizada como tudo aconteceu, o presidente da Comissão de Direitos Humanos da OAB/SE, Robson Barros, ressaltou em seu voto que a Seccional da OAB, por meio da Comissão, já vinha acompanhando a situação das famílias da Ocupação João Mulungu.
Em seu relato, Robson lamentou o uso da força no cumprimento da reintegração de posse e também a proibição da Comissão de Direitos Humanos da OAB em adentrar o imóvel, de atuar e mediar uma resolução pacífica sem o uso da força. “Cheguei às 6h30 da manhã e fui impedido de adentrar no perímetro e viabilizar um diálogo”, revelou.
Segundo ele, há sete anos havia um ciclo de avanço no Estado que foi quebrado no dia 23 de maio, quando foi empregada na ação de despejo força policial desnecessária, com uso de retroescavadeira, tropa de choque, COE e mais de 100 policiais.
Conforme Robson Barros, nesse momento de pandemia pessoas em extrema vulnerabilidade são as mais atingidas em seus direitos fundamentais previstos na Constituição cidadã.
No voto, Robson Barros estabeleceu encaminhamentos como: oficiar ao presidente do Tribunal de Justiça para que através da Corregedoria do TJSE, solicite reunião com a participação de representantes da Comissão de Direitos Humanos da OAB/SE, do GGCC da PM, da Defensoria Pública do Estado de Sergipe, Núcleo de Articulação da Defensoria Pública com os Movimentos de Bairros, Núcleo de Defesa dos Direitos Humanos da Defensoria Pública, requerendo que todos sejam convidados para discussão e aprimoramento para propostas de alteração do provimento 05/2018.
Outros pedidos
Robson pede ainda a Habilitação na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental nº 828 em tramite no Supremo Tribunal Federal, que trata da suspensão de reintegração de posse durante a pandemia;
Que seja acionada a Comissão de defesa de prerrogativas local e nacional para que seja apurado o impedimento de atuação do advogado do MLB, Dr. Alberto e do representante desta seccional que foram impedidos de adentrar na área e viabilizar dialogo para solução pacifica;
A participação em audiência da Comissão Interamericana de Direitos Humanos para fins de relato do presente caso que ocorrerá de 21 de junho a 02 de julho;
Seja oficiada a Secretaria da Família e da Assistência Social de Aracaju, na pessoa da Ilmª. Senhora Secretária Municipal, para esclarecer os Relatórios Sociais Produzidos por seus técnicos, sem apontar nominalmente os usuários necessitados da intervenção e amparo social e esclarecer quais providências já foram tomadas para assegurar assistência essencial as referidas famílias;
Informe ao Comitê dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais da Organização das Nações Unidas;
Oficiar ao conselho nacional de direitos humanos para adotar as medidas cabíveis a respeito da ação de despejo que viola todas as recomendações nacionais e estadual;
Encaminhar o voto e encaminhamentos para a CNDH para os anais do Conselho federal.
Desagravo Público em favor da Advocacia
Durante a Sessão, foi aprovado por unanimidade que a OAB/SE fará um Desagravo Público em favor da advocacia sergipana e dos advogados Alberto Dantas, do MLB, e José Robson Santos de Barros, presidente da Comissão de Direitos humanos da OAB-SE, pelo impedimento de atuar na busca de solução pacifica, proibidos de adentrar a área de cumprimento do despejo forçado.
O presidente da OAB/SE, Inácio Krauss, ressaltou que o desagravo será realizado em uma data a ser definida.
Ele enfatizou ainda que a Seccional sempre está à frente das causas sociais, defendendo os direitos humanos, que é dever de todo advogado. “Todo advogado quando recebe a sua credencial tem o compromisso de defender os direitos humanos”, salientou.
O presidente da Comissão de Direitos Humanos, Robson Barros, disse que a Sessão do Conselho foi um dia histórico pelo avanço e protagonismo da Seccional na luta dos direitos fundamentais.