Palestra da Conferência Estadual da Advocacia Sergipana abordará a pessoa trans e o Direito

No dia 6 de outubro, a quarta palestra do último dia da Conferência Estadual da Advocacia Sergipana abordará os direitos humanos, o ordenamento jurídico e a pessoa trans.

Para a explanação sobre o tema, o evento contará com a presença da doutora pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, pós-doutora pela Université de Montréal e autora de livros sobre Direito, sexualidade, minorias sexuais, identidade e bioética, Tereza Rodrigues Vieira.

Em entrevista à assessoria de imprensa da OAB/SE, Tereza defende que o direito à identidade e à dignidade sexual, ainda que não exista de forma explícita no sistema brasileiro, está inserido no ordenamento jurídico como um todo e deve ser respeitado e efetivado.

“O reconhecimento do direito à autodeterminação e à autonomia demonstra que a pessoa tem a liberdade de definir sua personalidade, seu gênero, sem constrangimentos em espaços públicos ou privados”, afirma Tereza.  Confira a entrevista abaixo:

ASCOM – Existe o direito à identidade e à dignidade sexual no sistema jurídico brasileiro?

Tereza Rodrigues – Referido direito não existe de forma explícita, mas sim no ordenamento jurídico como um todo. O reconhecimento do direito à autodeterminação e à autonomia demonstra que a pessoa tem a liberdade de definir sua personalidade, seu gênero, sem constrangimentos nos espaços públicos ou privados. A manutenção do nome e gênero inadequados na documentação conduz a pessoa trans ao ostracismo e à invisibilidade, prejudicando sua autoestima, direito à privacidade e à igualdade.

O nome é a identificação da pessoa na sociedade, portanto deve ser harmônico ao seu autoreconhecimento e personalidade. Sem nome e gênero adequados a pessoa se sente anulada pelo sentimento de menosprezo e de diminuição, podendo, inclusive, sofrer danos psíquicos e emocionais, comprometendo até a saúde física.

ASCOM – No Brasil, já existe alguma lei que verse especificamente sobre a possibilidade da pessoa trans alterar seu nome e sexo no registro civil?

Tereza Rodrigues – Não, não existe nenhuma lei específica sobre o direito da pessoa trans alterar seu nome e gênero no registro civil. Da mesma forma não existe lei específica sobre os direitos de casais homoafetivos e estes são reconhecidos pelo direito, independentemente de lei. Todos somos iguais e ausência de lei não significa ausência de justiça. A hegemonia cisheteronormativa não pode impedir o reconhecimento de direitos LGBTQIA.

ASCOM – Nos últimos anos, quais foram as principais conquistas da pessoa trans no mundo jurídico?

Tereza Rodrigues – Antigamente, a falta de lei e a condenação de médicos que realizaram cirurgias no país impediam o avanço das ações de adequação em juízo. A “ilegalidade” da cirurgia fazia com que transexuais saíssem do país para realizá-las. Dr. Roberto Farina, que realizou a primeira cirurgia no Brasil, foi assistir minha defesa de tese em 1995. Enviei minha tese para o Conselho Federal de Medicina e, somente em 1997 a cirurgia foi considerada ética no Brasil. Felizmente, o entendimento mudou nestes vinte anos que atuo em casos de mudanças no Registro Civil e me sinto feliz por ter colaborado para o reconhecimento do direito à adequação de nome e gênero das pessoas trans neste país. Minha tese abordava não apenas o direito à documentação conforme o gênero, mas também a legalidade da cirurgia, acompanhamento psicológico, direitos da personalidade etc.

No final dos anos noventa, mesmo com todas as cirurgias realizadas, a luta não era fácil. Naquela época chegamos a ganhar ações sem cirurgia, mas os processos demoravam em média três anos, pois havia audiência e perícia com médicos e/ou psicólogos.

ASCOM – Em relação ao direito, quais são os principais desafios da pessoa trans atualmente?

Tereza Rodrigues – O desafio primeiro desafio é obter a adequação do nome e gênero sem cirurgias. Nem todas as pessoas trans se sentem como portadoras de um transtorno ou disforia por apresentarem uma incongruência entre sexo e gênero. A pessoa trans deve ter acesso à informação profissional e decidir autonomamente, de forma livre e informada, o melhor para sua vivência. O segundo desafio é conseguir adequar o nome e gênero diretamente no Cartório, como o é na Argentina, sem intervenção judicial.

ASCOM – Quais os princípios constitucionais que possuem maior relevância e afetam de forma mais acintosa a vida dos e das trans?

Tereza Rodrigues – Hoje, o processo está mais simplificado e as sentenças são menos preconceituosas e se baseiam no princípio da dignidade da pessoa humana, embora ainda tenhamos que exibir pareceres médicos e/ou psicológicos atestando a transexualidade do requerente.

As decisões atuais respeitam a autonomia da vontade, conforme recomendam os princípios aplicados aos direitos humanos. Assim, na Certidão de Nascimento não deve conter nenhuma anotação referente ao estado anterior que induza à discriminação, devendo ser restrita apenas ao Livro de Registro, sob pena de ferir o direito à dignidade humana. A pessoa tem o direito de revelar ou não aspectos referentes à sua orientação sexual ou identidade de gênero, pois trata-se de experiência pessoal, no âmbito da sua privacidade.

Toda pessoa tem o direito de ser conhecida como ela realmente é, e o Judiciário  deve garantir o exercício dessa imagem identitária, contribuindo para o direito à igualdade sem discriminação.

A educação para a diversidade e o respeito à identidade de gênero e  orientação sexual devem começar na escola, onde os saberes e identidades são construídos. Se o ambiente escolar não discriminar, não rotular, a sociedade será mais livre, inclusiva e menos preconceituosa.

ASCOM – Qual a importância de discutir o tema na Conferência Sergipana?

Tereza Rodrigues – Atualmente, parte do Judiciário já reconhece o direito à adequação do nome e gênero sem necessidade da realização de cirurgias. Foi assim com muitos clientes meus. Contudo, em alguns estados da federação ainda é exceção. O estado do Sergipe ainda não realiza cirurgias em pessoas trans. Assim sendo, acho que as pessoas trans devem ser consideradas pessoas sãs, sem necessidade de cirurgias. Tal reconhecimento  facilitará a convivência em sociedade, uma vez que ser diferente não indica patologia, mas pluralidade. Não há cura para a transexualidade, pois ela não é doença.

Para aquelas pessoas que desejam realizar cirurgia ou acompanhamento hormonal, o Estado deverá continuar contribuindo, pois para algumas pessoas trans  a adequação do corpo é importante. Friso aqui que a satisfação com o corpo varia de pessoa a pessoa e,  nem todas desejam modificações corporais.

Inscrição

O evento será realizado no auditório do TCE, localizado na Av. Conselheiro Carlos Alberto Barros Sampaio, Bairro Capucho. O valor do investimento para os profissionais é de R$ 100,00; para os jovens profissionais, R$ 80,00; e para estudantes de graduação R$ 50,00.

As inscrições podem ser feitas aqui. Confira a programação e participe. As vagas são limitadas.