Artigo: Modéstia às favas
O Diário do Poder publicou nesta quarta-feira, 14, o artigo do presidente da Ordem dos Advogados do Brasil, em Sergipe, Henri Clay Andrade, sobre o julgamento da ação que poderia cassar o mandato do presidente da república, Michel Temer.
“O Tribunal Superior Eleitoral protagonizou esta semana espetáculos de suspense, dramatização, comédia e hipocrisia. Um show de atrações!”, diz Henri Clay.
Confira abaixo:
Modéstia às favas
Por Henri Clay Andrade, presidente da OAB/SE
O Tribunal Superior Eleitoral protagonizou esta semana espetáculos de suspense, dramatização, comédia e hipocrisia. Um show de atrações!
Depois do resultado das eleições presidenciais realizadas em outubro de 2014, o PSDB ajuizou ação de investigação judicial eleitoral. A finalidade política era apear Dilma da Presidência da República, torná-la inelegível por oito anos e provocar novas eleições presidenciais, sob argumentos de que houve abuso de poder econômico e político durante o processo eleitoral.
O objetivo da Constituição Federal e da legislação eleitoral é de proteger a normalidade e a legitimidade das eleições contra o abuso de poder econômico e político. Para cumprir esse desiderato, conferiu-se à Justiça Eleitoral o poder e o dever de investigar fatos, adicionar provas nos autos e julgar com imparcialidade e racionalidade as demandas instauradas.
Os pressupostos da ação de investigação judicial eleitoral são o relato dos fatos e a indicação de provas baseadas em indícios e circunstâncias que ensejem pedido de apuração do uso indevido, desvio ou abuso do poder econômico ou do poder de autoridade. Portanto, as provas que acompanham a mencionada ação judicial bastam ser lícitas e com valor suficiente para iniciar a investigação dos fatos e a colheita de mais provas elucidativas. As provas iniciais apresentadas pelo PSDB eram indiciárias, mas os fatos relatados eram muito graves. Daí o TSE, com voto condutor do seu presidente, Ministro Gilmar Mendes, decidiu ampliar a instrução do processo para a perquirição de provas que pudessem esclarecer a verdade dos fatos ocorridos nas últimas eleições presidenciais e com isso estabelecer elementos contundentes de provas que resultassem em uma possível cassação da chapa impugnada.
Porém, nesse ínterim investigativo até o julgamento final, muitos fatos novos ocorreram: Dilma sofreu o impeachment por pedalada fiscal; tornou-se pública e incontroversa a corrupção endêmica na Petrobras; tornaram-se evidentes a prática reiterada de caixa dois e a existência de dinheiro sujo proveniente de propinas nas campanhas eleitorais, inclusive nas últimas eleições presidenciais, por meio das provas reveladas pela Odebrechet.
De lá para cá, o mundo político deu voltas e com ele reviravoltas foram dadas no TSE.
Com a queda de Dilma e a ascensão de Temer à Presidência da República, o PSDB tornou-se governo e perdeu o interesse político da ação judicial, restando apenas o resíduo intento de tornar Dilma inelegível por oito anos, mas sem que com isso viesse a atingir o atual mandato do Presidente Temer.
Também nesse período de mais de dois anos, houve mudanças substanciais na composição do TSE. Isto porque naquele Tribunal os Ministros têm assento por mandato de dois anos, prorrogável por igual tempo. Então, durante esse interregno, três Ministros foram substituídos, sendo dois nomeados bem recentemente, há cerca de dois meses, por ato de império do Presidente Temer. Isto mesmo! Dois Ministros nomeados pelo “réu” na reta final do processo.
É relevante ressaltar que a participação dos dois novíssimos Ministros no julgamento final do processo só se viabilizou porque o TSE resolveu suspender a sessão anterior do julgamento, para o fim de realizar diligências necessárias para a inclusão de provas oriundas da Operação Lava Jato.
A nomeação pelo Presidente Temer dos dois Ministros, Admar Gonzaga e Tarcísio Vieira, tem previsão na Constituição Federal. Contudo, neste caso concreto e sob especiais circunstâncias, a participação de ambos no julgamento foi temerária.
A imparcialidade do juiz é principio fundante da república e da democracia. Nenhuma situação fática ou jurídica deve pôr em xeque ou sob suspeição a premissa da isenção do Magistrado.
O Ministro Gilmar Mendes, contrariando a lógica, surpreendeu e mudou abruptamente o seu entendimento firmado na sessão imediatamente anterior. As diligências para a produção de provas que reputava imprescindíveis para o julgamento da ação e que motivara a suspensão da sessão anterior, postergando o julgamento e resultando na nomeação dos dois novos Ministros, de repente se tornaram imprestáveis para o processo.
Napoleão Maia – o Ministro da apologia à guilhotina – resolveu poupar o pescoço de Temer, chegando até a invocar alegação antijurídica e despudorada de que “abuso de poder tem em toda eleição.” Pasmem!
O relator do processo, Ministro Herman Benjamin – nordestino de Catolé do Rocha (PB) – proferiu voto irretocável e histórico. Demonstrou com clareza e robusta fundamentação jurídica que os elementos de provas produzidos no decorrer da instrução processual são cabais para constatar o abuso do poder econômico e político efetuado nas eleições sob julgamento, ainda que não consideradas as provas adicionais oriundas dos gravíssimos fatos revelados pela Odebrecht. O Ministro Luiz Fux e a Ministra Rosa Weber respaldaram, com maestria, o voto do relator.
Ao final, o TSE, por maioria de quatro votos contra três, decidiu pela improcedência do pedido de cassação da chapa e manteve o Presidente Temer no poder, para alívio do autor da ação e perplexidade da nação.
Pelas posturas dos julgadores e por todos os fatos que se sucederam, o resultado final, modéstia às favas, eu já sabia.