Confira o artigo “O prêmio foi a impunidade”, de autoria do presidente da OAB/SE, Henri Clay Andrade, publicado no Globo.
“No Brasil, a delação premiada tem sido utilizada de forma generalizada e sem a rigorosa observância da lei e da constituição federal. E isto tem proporcionado graves desvios de finalidade jurídica”, diz.
Confira abaixo:
O prêmio foi a impunidade
Por Henri Clay Andrade, presidente da OAB/SE
O instituto jurídico da delação premiada é uma técnica procedimental investigativa que visa à revelação de fatos que possam ensejar na produção de provas suficientes para desbaratar organizações criminosas, ressarcir ao erário o dinheiro proveniente de corrupção e punir os delinquentes de alta periculosidade social. Portanto, a delação não é prova, mas pode muito contribuir para obtê-la.
No Brasil, a delação premiada tem sido utilizada de forma generalizada e sem a rigorosa observância da lei e da constituição federal. E isto tem proporcionado graves desvios de finalidade jurídica.
Por vezes a delação premiada tem sido usada como instrumento de afetação psicológica para forçar a confissão da prática de crime. Decreta-se abusivamente a prisão provisória e depois se propõe a delação como condição para o detento sair da prisão.
Em outro extremo, acordos de delação têm premiado delatores com benevolência exacerbada, pactuando-se prêmios generosos que, ao invés de coibir, estimulam a corrupção diante da evidente constatação de que o crime compensa para quem tem expertise no jogo da delação, articulação política e muito dinheiro.
Essas gritantes incoerências de critérios subjetivos adotados em diversos processos judiciais revelam a necessidade urgente de correção de rumos para melhor executar, através de critérios rigorosamente objetivos, o polêmico instituto da delação premiada.
O caso de delação premiada mais recente, muito mal justificada e que tem causado indignação à sociedade, decorreu do acordo negociado entre o Ministério Público e os poderosos donos da empresa multinacional JBS, homologado pelo Ministro do STF, Edson Fachin.
O Ministério Público firmou acordo de delação premiada com Joesley Batista e Wesley Batista – cada qual com patrimônio pessoal estimado em mais de R$ 3 bilhões – estipulando para cada delator o pagamento de uma irrisória multa de R$ 110 milhões, em suaves prestações durante longo período de 10 anos.
Além de bilhões de reais adquiridos em tráfico de influência e em várias práticas criminosas confessadas, os irmãos bilionários, ao invés de serem condenados como corruptores e deliquentes da mais alta estirpe, foram acolhidos e considerados eficientes colaboradores da Justiça, ao evitarem com as suas delações e ações controladas, um dano maior ao país.
Os irmãos bilionários ganharam imunidade à prisão, o perdão judicial em relação às denúncias outrora ajuizadas pelo Ministério Público e a garantia de poder residir livremente no exterior e gozar a vida sem processos nas costas e com os bolsos cheios da grana roubada do povo brasileiro.
Com a desenvoltura de sempre e a ganância própria, os irmãos bilionários aproveitaram da crise que eles sabiam que fatalmente provocariam no mercado financeiro e, sorrateiramente, compraram milhões de dólares para lucrarem mais ainda com as consequências dos seus crimes delatados. Com parte deste grande lucro, os irmãos bilionários já podem pagar a multinha estipulada em leves prestações.
Um escárnio!
No Brasil, há muito se sabe que a carne é fraca, diz a Polícia Federal, mas o dinheiro dos irmãos Joesley e Wesley é forte. Após as delações, hoje gozam uma vida nababesca e ostentam nos Estados Unidos o prêmio da impunidade.